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Foto do escritorRubria Liliane

A PAZ QUE ROUBAM DE VOCÊ

Alcançar a paz é algo subjetivo?


Talvez.

Alguns podem interpretar a paz como algo relacionado à condição social em que vivem. Quem é rico gostaria de poder ir ao mercado e ser invisível, ou ter um dia em que não precisasse fazer algo apenas para preservar o trabalho ou obter alguma vantagem financeira. Isso pode lhe custar micro sentimentos de tristeza ao longo de todos os dias, e, em determinado momento, ele concluir que é infeliz.


Outra pessoa também deseja a paz, pois está sofrendo, adoecida no hospital, morrendo aos poucos, e, às vezes, a morte lhe é a paz que deseja. Poderia aqui citar infinitas situações em que cada pessoa interpreta o alcance dessa paz de formas diferentes.


E a concepção de paz não é imutável. Ela vai tomando formas diferentes ao longo da vida. Quando somos crianças, ficar em paz é não ter algum adulto chato dizendo o que fazer. Já para esse adulto, a paz poderia ser não precisar tomar conta de uma criança em alguns momentos. E, apesar de a criança precisar do adulto, o adulto jamais renunciaria à criança. Ainda assim, ele pode se sentir a pior pessoa do mundo por ter esse sentimento, ainda que brevemente.


A paz tem um preço. Não deveria. Mas é assim que é.

Observe comigo: É cruel alguém, à beira da morte, querer apressá-la em seu desejo?! Cruel com quem? Com quem vai ficar? Para quem isso importa? As pessoas que ficam não sentem as dores insuportáveis daquele doente. O sentimento que faz com que reprovem isso em voz alta não é apenas porque não querem que a pessoa morra, mas porque expressar o contrário lhes causa vergonha. Aprendemos que há uma certa imoralidade em concordar que alguém merece encontrar a paz na morte.


Minha perspectiva de paz mudou muito durante as fases que vivi até aqui. Mas o que percebi é que, hoje, a ideia do que seria paz amadurece junto com tudo o que você vive.


Cada pessoa tem seu mundo individual, e, neste mundo, existem coisas boas, ruins, sombrias e iluminadas. Para mim, a paz harmoniza tudo isso em um único sentimento. No meu caso, é a melancolia.


Para mim, existe uma linha intocável onde o tempo parece parar nesse equilíbrio. Eu jamais encontraria a paz se não entendesse que tudo em mim é meu, sou eu, e me construiu até aqui.


Um momento de solitude em uma tarde chuvosa, com um livro de aventuras, um chá quente, sentada em uma cadeira acolchoada que reclina, de frente para uma grande janela de vidro com detalhes de madeira onde se pode observar a chuva dançar com o vento, e as folhas das árvores cantarem sua canção única umas com as outras, produzindo um som específico.

As gotas da chuva podem ser vistas escorregando na janela, mas não o suficiente para atrapalhar a vista do espetáculo principal. O som da chuva no chão e na terra cria um cheiro característico de terra molhada. Mas esse cheiro não é forte o suficiente para chegar até mim, pois estou em um ambiente fechado. Ainda assim, ele vai se espalhando pela área externa e, mais tarde, quando abro a porta ou a janela para sentir um pouco de ar, esse cheiro de terra molhada invade a sala em que estou, e me sinto viva, plenamente.

Apesar do barulho da chuva e do vento, o silêncio impera na natureza, apenas para escutar esse momento.

Melancolia em uma tarde chuvosa

E a noite vai caindo lentamente, preguiçosa.


Esse é meu conceito de paz em sua plenitude, no meu mundo particular. É claro que não é um sentimento constante, ou seja, não é um momento que eu desejo todos os dias, o tempo todo. Essa consciência de que a vida é inconstante é importante para continuar vivo.

Mas esse é meu cenário de paz.


Talvez esse seja o segredo.

Assim como não existe plena felicidade, não existe paz em sua eternidade. O que faz a vida são as mudanças, as risadas, o dia ensolarado para um piquenique ou para ir à praia, ou um dia chuvoso para reflexão, o latido do seu cachorro quando ele quer brincar, o miado do seu gato quando busca sua atenção. A piada que seu avô conta mil vezes, o puxão de orelha do irmão.


E a paz segue se moldando e mudando até o fim.





Rubria Liliane Imamura

Jornalista, escritora entusiasta.

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